quarta-feira, 26 de novembro de 2008

LIÇÃO DA HISTÓRIA
Norberto Santos, um dos mais antigos e conceituados jornalistas portugueses na área do ténis, perguntou há dias a Albert Portas quem era, para ele, o melhor jogador espanhol de sempre.
Portas disse que a resposta não era fácil, uma vez que Rafael Nadal anda a bater uma série de recordes do ténis espanhol, mas, apesar de tudo, ainda não tinha ganho Roland Garros por duas vezes, como Sergi Bruguera.
A conclusão do antigo campeão do Open da Alemanha foi que «Nadal poderá vir a ser o melhor tenista espanhol de todos os tempos, mas ainda não pode ser considerado como tal».
Portas demonstrou uma noção da história do ténis que tem vindo a desaparecer aos poucos, mas não deixou de cair num dos maiores “pecados capitais” do ténis dos últimos tempos: os homens têm a memória curta e, ou esquecem, ou não dão o devido valor aos grandes feitos do passado.
O que é feito de jogadores como Bjorn Borg, que contava os títulos do Grand Slam de Roy Emerson, ou de Pete Sampras, que visionava vídeos de Rod Laver?
Nenhum jogador espanhol deveria olvidar o grande Manuel Santana, ele sim, o melhor jogador na história do ténis espanhol. Santana subjugou Roland Garros em 1961 e 1964, conquistou o Open dos Estados Unidos em 1965 e vergou Wimbledon a seus pés em 1966. Muitos disseram que só conseguiu ser o melhor jogador do planeta nessa altura porque Rod Laver se tinha tornado profissional no final de 1962 e, por isso, o genial e talentoso espanhol atingiu um dos maiores picos da sua carreira quando, em 1970, arrasou Rod ‘Rocket’ Laver em “três ‘sets’ secos” na final do Open de Barcelona, um ano depois do esquerdino australiano ter-se tornado no único tenista a completar por duas vezes o Grand Slam, um máximo mundial nunca mais igualado.
Santana entrou para o ‘Tennis Hall of Fame’ em 1984 e, desde então, só voltou à ribalta quando, nos anos 90, assumiu a posição de capitão da selecção espanhola da Taça Davis. Uma das amarguras da sua vida foi ter sido “despedido” um ano antes do primeiro triunfo do seu país na Taça Davis, em 2000.
“Rafa” Nadal é um prodígio de precocidade, mas ainda está longe de atingir os píncaros desbravados por “Manolo” Santana, um homem que foi recebido pelo “generalíssimo” Franco após a vitória em Wimbledon. «Eu sabia que o que fizera em Roland Garros em anos anteriores era grande, mas ganhar Wimbledon é, para um tenista, o mesmo que uma vitória no Tour de France para um ciclista e o “caudilho” convidou-me para a sua residência oficial, para explicar-me a importância do meu triunfo para a imagem externa de Espanha», contou um dia Santana, que teve de “fazer das tripas coração”, sabendo que aquele mesmo ditador colocara, anos antes, o seu pai na prisão…
Os grandes campeões não se medem apenas pelo talento, facilidade ou perfeição com que pegam e manejam uma raqueta. Há uma multiplicidade de factores que os definem, desde a condição física, à inteligência táctica, passando pelo “estofo” mental, pelo modo como ultrapassam as dificuldades com que se deparam ou pela forma como minimizam as suas limitações e maximizam as suas habilidades.
É por isso que me revolto tanto quando leio ou oiço dizer que Roger Federer é já o melhor tenista de todos os tempos ou que Gastão Elias é, aos 15 anos, melhor do que Nuno Marques quando tinha essa idade.
A questão foi (bem) colocada ao próprio Nuno por um dos raros especialistas de ténis que ainda temos em Portugal, Manuel Perez. Aquele que é considerado o melhor tenista português de sempre foi sincero e inteligente na sua resposta, embora, pessoalmente, discorde dele quando diz ser «ridículo comparar grandes jogadores de gerações distintas». Aceito que seja extremamente difícil, mas julgo constituir um desafio interessante e importante para a modalidade manter vivas e animadas discussões deste teor.
«Não se pode dizer que o Federer seja melhor do que o Sampras, ou que o Sampras foi melhor do que o Borg», afiançou Nuno Marques, agora treinador de Leonardo Tavares, que teceu rasgadíssimos elogios a Gastão Elias, ao ponto de dizer que, «aos 25 anos, será melhor jogador do que eu fui». No entanto, analisando apenas os resultados em escalões juvenis, foi visível que Nuno não quis dar de mão beijada a superioridade àquele que acredita poder vir a romper os seus recordes nacionais. «O Gastão tem um ténis mais sólido do que eu tinha nessa idade, mas eu tive bons resultados em Grand Slams» – quartos-de-final em Roland Garros, Wimbledon e US Open, para além de quartos-de-final no Orange Bowl e de uma final no Europeu de sub-12.
No fundo, se interpretei bem as palavras de Nuno Marques, o que ele quis dizer, uma vez mais, foi que o epíteto de “o melhor de sempre”, seja a que nível for, não pode ser apenas medido pelo apuro técnico.
No ténis, há algo que é incontornável, os resultados. Frederico Gil poderá não ser o mais evoluído dos tenistas portugueses em termos técnicos, mas é o inquestionável nº 1 da actualidade, devido aos excelentes resultados obtidos em campo, graças às suas outras superiores qualidades.
No final dos anos 90, quando a Imprensa quis criar uma rivalidade entre Pete Sampras e Patrick Rafter, o norte-americano teve uma tirada lapidar: «A diferença entre nós dois? São “apenas” 10 títulos do Grand Slam!». Ora toma e embrulhem.
É por isso que apontar já, em 2006, Roger Federer como o melhor tenista de todos os tempos, apenas porque é, sem dúvida alguma, o mais evoluído de sempre em termos técnicos, é ultrajante para os grandes campeões que o precederam. Nem ele tem essa ousadia.
Poder-se-á dizer de Federer o que Portas disse de Nadal ou que Marques afirmou de Elias, isto é, que o suíço tem todas as condições para sê-lo dentro de muitos poucos anos, mas, apesar da impressionante série de recordes mundiais que tem batido, terá de continuar a comprovar no campo, em vitórias e títulos, o que todo o seu virtuosismo promete e deixa adivinhar.
Little Mo (Maureen Connolly) foi a primeira mulher a completar o Grand Slam em 1953 e, aos 18 anos, parecia imparável, mas o cancro travou-a, viu-se forçada a encerrar a sua carreira e faleceu aos 34 anos.
Mónica Seles estava a arrasar tudo à sua frente no início dos anos 90, quando um atentado (apunhalada nas costas no Open de Hamburgo em 1993) a impediu de tornar-se, provavelmente, na melhor tenista da história e foi Steffi Graf que, apesar de ter o pai na prisão, teve força anímica para coleccionar 22 troféus do Grand Slam.
Rod Laver completou o Grand Slam em 1962 e 1969, somou 11 títulos do Grand Slam, mas poderia ter ganho muitos mais e construído um palmarés inatingível se, durante cinco anos não tivesse sido impedido de jogar nos quatro principais torneios do Mundo por se ter tornado profissional e o profissionalismo só ter sido aceite nas provas da Federação Internacional de Ténis em 1968.
Há imponderáveis na vida que nos aconselham prudência quando a genialidade de um jogador nos deslumbra e nos impele a proclamá-lo como o melhor de sempre. Roger Federer tem o Mundo do ténis a seus pés e Gastão Elias começa a assumir o papel de protagonista no ténis nacional, mas dêem-lhes tempo e espaço para poderem concretizar as potencialidades que têm de, um dia, figurarem no primeiro lugar da história da modalidade.

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